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Channel: PONTEIROS PARADOS
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Vou apresentar uma rede de conceitos hierarquicamente organizados de acordo com a sua extensão: ribatejano, português, europeu, homem, mamífero, vertebrado, animal, ser vivo. Começo por ribatejano em vez de português, pois se sou ribatejano, sou português, mas sendo português não tenho de ser ribatejano. Se digo que sou vertebrado e só depois animal e animal antes de ser vivo, é porque todos os vertebrados são animais mas não o contrário e se todos os animais são seres vivos, as plantas são seres vivos sem serem animais. Ou seja, o conceito de ser vivo é mais extenso do que o de animal, como o conceito de europeu é mais extenso do que o de português.

Passemos agora da ontologia para a psicologia: se um asiático disser mal dos europeus, e eu sendo português, sou europeu, irei sentir-me menos ofendido do que no caso de dizer mal dos portugueses. Porquê? Não só porque me sinto mais português do que europeu mas também porque sendo este mais vasto, sinto-me mais diluído dentro dele. Dizer mal dos europeus mistura no mesmo saco todos os europeus dos quais os portugueses são apenas uma pequena parte, podendo assim passar sorrateiramente despercebido. Já dizer mal dos portugueses torna mais difícil a minha tarefa de escapar. Acontece que na psicologia, ao contrário da ontologia, o maior ou menor impacto de um conceito não tem de corresponder à sua extensão.

É por isso que me parece desnecessário, ou mesmo perda de tempo, acusar alguém de ser racista, homofóbico, machista ou misógino. Porque não aquece nem arrefece, de tão gastas que se tornaram as palavras. Pelo contrário, até pode motivar algum orgulho nos visados em virtude de uma provocadora incorrecção política ou acentuar o espírito de pertença a um grupo com o qual se partilham certos valores e ideais. Se, em vez disso, tivermos a amabilidade de inserir tais pessoas no vasto grupo dos estúpidos, broncos, asininos, idiotas, imbecis ou cretinos, os níveis de orgulho são bem capazes de reduzir. É verdade que o grupo dos estúpidos é mais extenso do que o dos racistas ou machistas. Uma pessoa pode ser estúpida por muitas outras razões que não passam pelo racismo e o machismo. Mas, cá está, ontologia é ontologia, psicologia é psicologia. Uma pessoa até pode achar piada ao facto de ser machista, mas ser estúpido não é coisa que dê grande alento, a não ser que seja tão superlativamente estúpida que já nem a consciência disso a afecte. A grande tarefa será pois convencer tais criaturas da sua lamentável estupidez e não do óbvio, que é serem o que os faz estúpidos. Muito trabalho pela frente, se pensarmos na forte resistência da estupidez ao bom senso, à elegância, à delicadeza, a um tipo de inteligência da qual apenas os seres humanos estão providos. Mas é esse o caminho.

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